Cadastro unificado: nossa proposta para regulamentação do trabalho por plataforma
Um tema que sempre foi central para o AppJusto e que tem sido pouco discutido nos debates que tratam da regulamentação do trabalho por plataforma é a autonomia.
Fora das plataformas, a contratação de um serviço prestado por um autônomo – como uma eletricista ou uma faxineira – é negociada entre o cliente e o prestador do serviço. Se concordarem com escopo, prazo e valor, o serviço é contratado; caso contrário, não há repercussão negativa para nenhuma das partes.
O surgimento de plataformas para intermediar contratações como essas trouxe boas promessas: prestadores seriam encontrados mais facilmente e receberiam mais serviços; clientes teriam mais opções e mais segurança na execução do serviço.
Com o surgimento do Uber e a popularização da prestação de serviço em tempo real, um novo modelo surgiu: agora são os algoritmos que definem o preço do serviço e o repasse ao prestador e criam mecanismos (scoring/rating) para coagir os prestadores a aceitarem ofertas desvantajosas – ou sofrer punições. Além disso, este modelo também inviabiliza o relacionamento direto entre prestador de serviço e cliente para estabelecer futuras negociações.
Apesar de mantida a flexibilidade para escolher os horários de trabalho, é difícil aceitar que quem é gerido por algoritmos, não define o valor do próprio trabalho e não pode estabelecer relacionamento direto com seus clientes seja considerado um trabalhador autônomo.
O que justifica que não tenham as mesmas condições das pessoas que não trabalham por plataformas?
Reconhecendo a complexidade e relevância desse debate, nossa proposta sugere um primeiro passo para garantir a autonomia dos trabalhadores por plataforma e a transparência na relação entre prestadores de serviço e empresas.
Cadastro unificado de trabalhadores por plataforma
Nossa proposta é a criação de um cadastro de trabalhadores/as por plataforma, ao qual as empresas deverão obrigatoriamente estar integradas para operar. Na prática, isso significa que as plataformas terão que:
- repassar serviços apenas às pessoas que estiverem ativas no cadastro;
- respeitar as condições de participação definidas pelos pessoas e pelas cidades;
- fornecer informações sobre as contratações para as cidades;
- respeitar os processos de suspensão e bloqueio do cadastro.
Nesse modelo, a pessoa é a dona do seu cadastro e não a plataforma, diminuindo sua dependência de uma ou outra empresa. Ela poderia definir condições de participação, como o valor mínimo, e participar de coletivos com outras pessoas, viabilizando o cooperativismo de plataforma. As punições seriam supervisionadas pelo cadastro, evitando bloqueios sem defesa e outros abusos que são relatados recorrentemente pelos trabalhadores, configurando situações de desgaste físico e emocional.
As prefeituras finalmente teriam acesso aos dados sobre serviços prestados e poderiam adaptar as cidades para essa nova realidade como, por exemplo, criar infraestruturas públicas para descanso, alimentação etc. Poderiam definir parâmetros como valor mínimo e jornada máxima, realizar treinamentos, garantir que as pessoas estejam com sua MEI em dia e usando equipamentos de segurança. Além de, claro, garantir que todos os impostos sejam recolhidos corretamente.
Finalmente, sem a fricção de realizar um novo cadastro para cada plataforma, as pessoas seriam incentivadas a manter seu cadastro ativo em várias, o que seria fundamental para ampliar a concorrência. Traria também um enorme ganho operacional, tanto por pular o processo de cadastro quanto por evitar o trabalho simultâneo e desincentivar fraudes.
Com a suspensão das operações do AppJusto, ficam a experiência e os debates acumulados, que reuniram entregadores, pesquisadores e gestores. Seguimos mobilizados e à disposição para colaborar com pessoas e entidades interessadas em viabilizar propostas nesse sentido: por trabalho justo e efetivamente autônomo.